Hoje escrevo com o coração pulsando forte, talvez por revolta, talvez por exaustão — ou quem sabe, pelas duas coisas juntas.
Recebi uma ligação do meu pai. Daquelas que vêm sem aviso, sem preparo, no meio de uma rotina já tão cheia. Do outro lado da linha, ele me informa que não irá mais depositar a pensão do Cláudio, meu irmão, que tem deficiência mental e física. A justificativa? Uma orientação do advogado. Respirei fundo, mas por dentro, ferveu.
Como assim? A pensão é do Cláudio. Ele está vivo. Presente. Com necessidades reais. E o mais surreal: ele não mora mais com minha mãe, que infelizmente faleceu. E quem tem segurado tudo desde então — fisicamente, emocionalmente e até financeiramente — sou eu.
Essa situação me fez refletir sobre quantas mulheres, irmãs, mães, avós, tias… acabam sendo lançadas, quase automaticamente, ao papel de cuidadoras porque os homens, que também são pais, simplesmente somem. Se escoram em justificativas burocráticas. Se escondem atrás de processos judiciais, falta de tempo, ou até mesmo de um simples “não sei lidar”.
Mas a verdade é uma só: nenhum valor de pensão substitui o amor, o cuidado e a presença de um pai.
E eu não sou a mãe do Cláudio. Sou irmã. Mas estou aqui, tentando dar conta de tudo: adaptar uma casa que não foi feita para acolher uma pessoa com deficiência, tentar agendar médicos que nunca têm vaga, esperar avaliações que nunca chegam, lidar com a frustração de ver meu irmão, aos poucos, perdendo o interesse pela vida porque falta o básico: cuidado e amor familiar.
Enquanto isso, o pai… se ausenta. Delega. Silencia. E, quando fala, é para dizer que não vai mais ajudar.
Essa história é minha — mas é também de muitas outras mulheres que conheço. De mães solo que criam filhos com deficiência como guerreiras invisíveis. De irmãs que viram segundas mães. De mulheres que cuidam, mesmo quando não era delas a obrigação.
E por isso deixo aqui esta reflexão: até quando vamos aceitar que o cuidado seja sempre atribuído às mulheres? Até quando o amor paterno será opcional quando o filho é “especial demais” para caber na conveniência?
Cuidar de uma criança ou adulto com deficiência é uma missão diária, mas é também um ato de amor, dignidade e humanidade. E deveria ser um compromisso de todos da família, principalmente do pai.
Que este texto sirva como desabafo, mas também como um convite à consciência. Filhos com deficiência não precisam só de fisioterapia, fraldas ou laudos. Eles precisam de presença, afeto e reconhecimento. Precisam de pais que assumam, de fato, o que significa ser pai.
E se você, mulher, está vivendo algo parecido, saiba: você não está sozinha. E seu amor não anula a ausência de quem também deveria estar ali.